Em ofício a promotor de Justiça, diretores informaram que assessora de Lia foi levada direto ao Hospital da Vida, contrariando a regra que vale para todo mundo
A servidora da Câmara de Dourados Patrícia Brandão, amiga e assessora da vereadora Lia Nogueira (PP), foi atendida no dia 5 de maio deste ano no Hospital da Vida sem seguir os procedimentos de rotina, adotados para todos que precisam da saúde pública no município.
Sem passar pela central de regulação, ela foi levada pela vereadora direto para o hospital e submetida a uma cirurgia de apêndice, quando o correto seria ser levada para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e de lá transferida de ambulância para o hospital. É esse caminho que fazem os 800 mil moradores da macrorregião de Dourados quando precisam de atendimento especializado.
No hospital, Lia Nogueira “carteirou” o servidores usando de influência política para a amiga assessora ser atendida na frente dos demais pacientes. Para corroborar o “fura-fila”, ela informou que tinha levado a servidora direto para o local por orientação do colega de Legislativo, o vereador e médico Diogo Castilho (DEM).
Toda essa história já tinha sido revelada em primeira mão pelo Dourados Informa no início de maio e confirmada pela direção do hospital.
Agora, no entanto, o “jeitinho” adotado pelos dois vereadores foi formalizado ao Ministério Público em ofício enviado no dia 11 deste mês pelo diretor-presidente da Fusaud (Fundação de Serviços de Saúde de Dourados) Jairo José de Lima e pela diretora técnica Angela Maria Azevedo Cardoso Marin.
A Funsaud administra o Hospital da Vida e a UPA.
O caso é investigado pelo MP. O promotor Ricardo Rotunno, da 16ª Promotoria de Justiça, abriu “notícia de fato” e está colhendo informações para decidir se instaura inquérito civil. Foi ele que cobrou explicações da Funsaud.
“Na mencionada data, 05/05/2021, os vereadores Diogo Castilho e Lia Nogueira solicitaram atendimento para a paciente Patrícia Brandão no pronto-socorro do Hospital da Vida. A vereadora Lia Nogueira entrou em contato com esta a Diretora Técnica desta Fundação, Sra. Angela Maria Azevedo Cardoso Marin por meio de aplicativo de mensagens (WhatsApp), informando que estava no Hospital da Vida com a referida paciente, a pedido do vereador Diogo Castilho”, afirma o ofício.
O documento enviado ao promotor continua: “A vereadora informou ainda, que médico Sr. Diogo Castilho estava chegando ao hospital para acompanhá-la, ocasião em que foi informada pela Diretora Técnica Angela Marin, a cerca de que o atendimento deveria ser iniciado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Ante ao pedido de atendimento feito pelo vereador Diogo Castilho e Lia Nogueira, a ficha de atendimento médico foi registrada na unidade hospitalar e o atendimento autorizado pela Dra. Fabiana R. Lima, plantonista no momento do atendimento”.
Em seguida, os diretores confirmam que o atendimento não seguiu os critérios técnicos adotados pelo sistema de saúde e que deveriam ser seguidos por todos.
“No caso em questão, não houve atendimento da paciente na UPA e a mesma chegou por meios próprios, sem estar referenciado pelo SAMU. Neste caso, a demanda espontânea é avaliada pelo médico plantonista que decide ou não ser prosseguirá o atendimento, casos de urgência e emergência são assistidos de imediato pela unidade hospitalar”.
No ofício, os diretores também desmentem a versão contada no dia seguinte aos fatos de que Angela Marin tinha autorizado o atendimento sem passar pela Central de Regulação.
“Não houve autorização da Diretoria Técnica para o atendimento da paciente, uma vez que, trata-se de conduta médica para a qual não esta não dispõe de competência técnica ou autoridade para contestação. Contudo, em que pese, a necessidade de atendimento indicada pelos profissionais médicos, deve-se ser pontuado que a vereadora foi orientada a procurar a UPA para o primeiro atendimento, mas segundo áudio enviado a mesma foi orientada pelo vereador Diogo Castilho a ir diretamente para o Hospital da Vida”.
Jairo José de Lima e Angela Marin encerram o ofício afirmando que “o atendimento médico foi realizado após a avaliação pela médica plantonista que entendeu pela assistência médica à paciente naquela oportunidade. Por fim, destacamos que desde já colocamos o prontuário médico da paciente está à disposição do Ministério Público”.
O caso
O suposto tráfico de influência praticado por Diogo Castilho e Lia Nogueira foi denunciado à ouvidoria do Ministério Público no dia 10 de maio.
No dia 14 do mês passado, o promotor Ricardo Rottuno solicitou ao diretor-presidente da Funsaud que, no prazo de até 10 dias úteis, se manifeste quanto ao teor da reclamação, encaminhando documentos hábeis a subsidiar as alegações. O ofício foi enviado na semana passada.
A denúncia feita no início de maio revelou que o atendimento à paciente Patrícia Brandão ocorreu por suposto tráfico de influência/favorecimento/privilégio, sem seguir as recomendações e normas do Ministério da Saúde e burlando a fila da Central de Regulação.
“O atendimento foi direcionado pelos vereadores Lia Nogueira e Dr. Diogo Castilho, em detrimento e respeito à população que aguarda os trâmites legais mesmo sofrendo com problemas de saúde”, afirmou trecho da denúncia. “É de causar indignação furar fila e desrespeitar a fila para nós que esperamos o tão sonhado atendimento e amenização da dor que passamos”, afirmou trecho da denúncia.
Procurado para falar do caso, Diogo Castilho disse que foi chamado para ver a paciente por volta de 19h do dia 5 quando ela já estava no Hospital da Vida. “Ela foi atendida pelo plantonista, conversei com o cirurgião e ele operou a paciente”, afirmou.
Ele afirmou que Lia Nogueira teria lhe dito que havia feito contato com a diretora técnica da Funsaud, Angela Marin. “Parece que a Angela tinha autorizado”, disse ele. No ofício ao MP, a Funsaud desmentiu essa informação.
Em nota, Lia afirmou que Patrícia Brandão passou mal e corria risco de morte se não recebesse atendimento urgente. “A servidora teve crises e quase desmaiou. Diante do quadro, foi avaliada pelo vereador e médico Diogo Castilho e imediatamente levada a uma unidade de saúde”.
Segundo Lia Nogueira, como o caso era grave e com risco iminente de morte, já que a servidora apresentava quadro de possível rompimento do apêndice, Diogo Castilho decidiu encaminhar a servidora com urgência ao Hospital da Vida.
Em discurso na sessão da Câmara cinco dias depois, Lia Nogueira disse que se tiver de perder o mandato por salvar uma vida terá certeza do dever cumprido.