Julgamento ocorreu na cidade de Presidente Prudente (SP) a pedido do MPF; crime foi há 18 anos
Foi concluído nesta terça-feira (28) o plenário do Júri da 1ª Vara Federal de Presidente Prudente (SP), em que João Carlos Gimenez Brites foi condenado a 16 anos de prisão pelo assassinato do indígena Guarani Kaiowá Dorvalino Rocha, ocorrido em 2005 em Mato Grosso do Sul. Vigilante contratado pela empresa de segurança Gaspem, João Carlos confessou ter sido o autor do disparo que matou Dorvalino, mas alegou ter agido em legítima defesa.
A acusação do réu foi feita pelo procurador da República Tito Lívio Seabra, de Presidente Prudente, auxiliado pelos procuradores da República Fabrício Carrer e Ricardo Pael Ardenghi, que integram o Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri vinculado à Câmara Criminal do MPF.
Essa foi a primeira condenação pelo Tribunal do Júri Federal de um acusado de assassinar indígena em Mato Grosso do Sul. Dois outros casos anteriores chegaram a ser julgados, mas terminaram sem a punição dos acusados. No caso de Marçal de Souza, assassinado em 1983 na mesma Terra Indígena onde anos mais tarde Dorvalino Rocha também seria morto, a Justiça reconheceu a prescrição do crime. Já no caso de Marcos Veron, o réu foi absolvido da acusação de homicídio. “O Estado de Mato Grosso do Sul tem uma das maiores taxas de assassinatos de indígenas do país! Mesmo assim, essa é apenas a terceira vez que um caso desses chega a ser julgado pelo Tribunal do Júri e a primeira em que há condenação. A decisão é um marco histórico para o Povo Guarani Kaiowá”, explicou Ricardo Pael, que, além de integrante do GATJ, atuou em Ponta Porã entre 2013 e 2017.
Pertencente à etnia guarani-kaiowá, Dorvalino foi assinado no município de Antônio João. As investigações revelaram que ele andava numa estrada quando foi abordado por um carro com seguranças particulares. O motorista era João Carlos, que atirou duas vezes na direção da vítima. Um dos disparos atingiu o peito do indígena, que chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos.
O MPF denunciou João Carlos por homicídio doloso (com intenção de matar) em 2006 perante a 1ª Vara Federal de Ponta Porã. No entanto, em razão do envolvimento do réu com a empresa de segurança Gaspem, acusada de atuar de forma ilegal em casos de conflitos fundiários, e com o objetivo de garantir a adequada isenção dos jurados que julgariam o caso, o órgão pediu o desaforamento, ou seja, a mudança de local do julgamento. O processo foi então encaminhado para Presidente Prudente, onde ocorreu o júri federal. “Não é comum o desaforamento para outro Estado da federação, mas é sintomático que esta seja a segunda vez que isso ocorre em casos de assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul”, pontuou Tito Lívio, que assumiu o processo após o desaforamento.
Além da morte de Dorvalino Rocha, outros casos de assassinatos de indígenas em Mato Grosso do Sul também têm envolvimento de seguranças da empresa Gaspem, como do rezador Nísio Gomes, ainda não julgado. Em 2018, a pedido do MPF, a Justiça determinou a dissolução da empresa, considerada responsável por ataques que resultaram na morte de duas pessoas e em dezenas de feridos entre 2009 e 2011, além do pagamento de multa no valor de R$ 240 mil por danos morais. “Espera-se que a decisão faça não só justiça para o Povo Guarani Kaiowá e a família de Dorvalino Rocha, mas que tenha também um efeito pedagógico e sirva para conter a violência contra os indígenas de Mato Grosso do Sul”, concluiu Fabrício Carrer, que há 10 anos participa de júris federais.
Além da pena de prisão, o réu também foi condenado a pagar uma pensão mensal aos filhos de Dorvalino Rocha como forma de reparação.
Coincidências - No último dia 25 de novembro, 2 dias antes do Júri realizado em Presidente Prudente, foram celebrados 40 anos da morte de Marçal de Souza, grande liderança Guarani Kaiowá que foi assassinada no mesmo território indígena que Dorvalino Rocha (Ñande Ru Marangatu). Marçal de Souza nasceu em 24 de dezembro de 1920, mesmo dia que, em 2005, Dorvalino Rocha foi assassinado. A advogada da assistência à acusação Michael Mary, que há mais de 40 anos atua na defesa dos povos indígenas, participou dos dois julgamentos. Neste último, em Presidente Prudente, quem esteve ao seu lado na assistência à acusação foi a advogada Caroline Hilgert.