Estamos em mais um “Agosto Lilás”, época de conscientização sobre a Lei Maria da Penha, e Mato Grosso do Sul segue ocupando posição preocupante no cenário nacional da violência contra a mulher. O 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), traz a informação de que o estado registrou em 2024 a segunda maior taxa de feminicídio do país, com 2,4 casos por 100 mil mulheres, bem acima da média nacional de 1,4 casos por 100 mil brasileiras.
Frente a esses números alarmantes, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) reforça a importância da adoção de medidas protetivas de urgência (MPUs) como ferramenta essencial para a prevenção do feminicídio. O próprio Anuário do FBSP confirma o risco enfrentado pelas mulheres quando estão sem a proteção garantida por lei: dos 35 casos de feminicídio registrados no estado, em 2024, 34 ocorreram com vítimas que não contavam com medida protetiva vigente.
Segundo o Promotor de Justiça Izonildo Gonçalves de Assunção Junior, membro colaborador do Núcleo de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Nevid), “essas medidas são essenciais para interromper o ciclo de violência, que muitas vezes pode culminar em feminicídio. Por isso, é fundamental que o atendimento à vítima seja especializado, sensível e atento à realidade dela, permitindo identificar riscos e agir preventivamente.”
Conforme o documento, em 2024, o estado de Mato Grosso do Sul registrou a emissão de 20.933 medidas protetivas de urgência no contexto da Lei Maria da Penha, com 12.415 medidas efetivamente concedidas. No entanto, o Promotor de Justiça do Nevid alerta que “muitas vítimas não chegam a solicitar essas medidas porque sequer registram boletim de ocorrência. Elas não comunicam a violência a familiares, não conseguem falar sobre o que estão vivendo nem mesmo com amigos próximos. Sem esse registro, não têm acesso às medidas protetivas.”
Agir para mudar o cenário
A estatística alarmante e a vontade firme de ser agente transformador dessa realidade impulsionam o trabalho contínuo de membros e servidores do MPMS para salvaguardar os direitos de meninas e mulheres. A meta buscada é permitir que tenham uma vida em liberdade para exercer sua autonomia de decidir os caminhos a trilhar na vida, em qualquer área.
Para isso, além de cumprir seu papel institucional de atuar nos processos para responsabilizar agressores, o MPMS mantém campanhas de conscientização e chama a sociedade para assumir a responsabilidade pela segurança das mulheres. “É urgente promover campanhas educativas que conscientizem as mulheres sobre a importância de denunciar o agressor, de falar sobre a violência e de pedir ajuda. Só assim elas poderão acessar os mecanismos legais de proteção que a lei lhes garante”, reforça Izonildo Gonçalves de Assunção Junior.
Simultaneamente, os profissionais dedicados à tecnologia da informação são desafiados a criar soluções, com o apoio da tecnologia, para melhorar a gestão de dados na área do combate à violência doméstica.
A partir de esforço coletivo, são implementados projetos que posicionam o MPMS na vanguarda da proteção às mulheres, entre eles:
Projeto Alerta Lilás: sistema com Assistente Virtual de Combate à Violência Contra a Mulher, para monitorar agressores reincidentes e enviar alertas automáticos às autoridades, permitindo decisões mais rápidas e eficazes.
Força-tarefa de Promotores de Justiça: criada em 2025 para agilizar a análise de inquéritos e fortalecer a resposta institucional aos casos de violência doméstica em Campo Grande.
Campanha “Não é Não!”: voltada à prevenção da violência de gênero em ambientes públicos, com foco no respeito ao consentimento e na conscientização da sociedade.
Projeto Paralelas: iniciativa do MPMS que utiliza arte, teatro e música para educar e conscientizar sobre a violência de gênero. Vai a escolas, comunidades e espaços públicos, promovendo reflexão e empatia por meio de histórias reais de vítimas e sobreviventes.
Campanha Você Merece um Amor Leve: está em seu terceiro ano e visa sensibilizar a sociedade sobre os altos índices de feminicídio e violência doméstica no estado.
Ouvidoria da Mulher: canal exclusivo para acolher manifestações de vítimas de violência de gênero.
O Promotor de Justiça também destaca que, uma vez solicitadas, “as medidas protetivas têm força judicial. O agressor é advertido de que, se descumpri-las, estará cometendo um crime previsto no artigo 24-A da Lei Maria da Penha. Esse descumprimento pode levar à decretação de prisão preventiva, o que ocorre na maioria dos casos.” Ele alerta ainda para um dos ciclos mais perigosos da violência: o perdão ao agressor.
“A vítima acredita que ele vai mudar, que não vai repetir a agressão, e acaba permanecendo nesse ciclo. Isso explica por que muitas mulheres assassinadas por seus companheiros não tinham sequer registrado ocorrência ou solicitado medidas protetivas.”
O caso do vigésimo primeiro feminicídio do ano em Mato Grosso do Sul, ocorrido em Corumbá, é citado como exemplo trágico. “Havia vários registros anteriores contra o agressor, mas não se sabe se a vítima havia formalizado denúncia ou solicitado medidas protetivas. Isso mostra a importância de, no atendimento especializado, conhecer o histórico do agressor.”
Na visão de Izonildo Gonçalves de Assunção Junior, “saber se ele já cometeu violência contra outras mulheres ou contra a mesma vítima permite antecipar o risco de feminicídio e adotar a medida protetiva mais adequada. É preciso ter certeza de que a medida escolhida será eficaz para proteger a vítima e salvar sua vida.”
Denuncie, sempre
O MPMS orienta que mulheres em situação de violência não se calem e busquem ajuda. As pessoas do círculo próximo também podem agir, acionando os canais de denúncia:
Ouvidoria da Mulher do MPMS
Delegacias de Atendimento à Mulher
Promotoria de Justiça de sua cidade
Polícia Militar: Disque 190
Central de Atendimento à Mulher: Disque 180
Medida Protetiva de Urgência online: sistemas.tjms.jus.br/medidaProtetiva