Organização criminosa responsável por esquema de pirâmide financeira transnacional com atuação em pelo menos 80 países é alvo da Operação La Casa de Papel, deflagrada nesta quarta-feira (19) pela Polícia Federal, com apoio da Receita Federal e da ANM (Agência Nacional de Mineração).
A investigação começou em agosto do ano passado em Dourados, após a prisão de dois integrantes da quadrilha. Com escolta armada, eles se deslocavam em direção à fronteira com o Paraguai transportando esmeraldas avaliadas em 100 mil dólares e foram presos pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) na BR-163 em Rio Brilhante.
Segundo a Superintendência da PF em Mato Grosso do Sul, a organização é investigada por crimes contra o sistema financeiro nacional, evasão de divisas, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, usurpação de bens públicos, crime ambiental e estelionato.
Durante as investigações, a PF descobriu que o esquema de pirâmide financeira captou recursos de mais de 1,3 milhão de pessoas em pelo menos 80 países. As operações teriam começado em 2019 e continuavam em curso até hoje. O prejuízo aos investidores é estimado em R$ 4,1 bilhões.
Hoje estão sendo cumpridos seis mandados de prisão preventiva contra os líderes da organização criminosa e 41 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande.
Os alvos são do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Maranhão e Santa Catarina. Apesar de a investigação ser da delegacia de Dourados, não há mandados em Mato Grosso do Sul.
Conforme a PF, os agentes cumprem ainda mandados de bloqueio de 20 milhões de dólares e sequestro de dinheiro em contas bancárias, imóveis de altíssimo padrão, gado, veículos, ouro, joias, artigos de luxo, mina de esmeraldas, lanchas e criptoativos em posse de pessoas físicas e jurídicas investigadas. A PF ainda não divulgou o balanço da operação.
Igreja
As empresas montadas pela quadrilha ofereciam pacotes de investimentos e aportes financeiros com valores de 15 dólares a 100 mil dólares e prometia ganhos diários em percentuais altíssimos. Nas redes sociais, os chefes divulgavam que as empresas estavam legalizadas na Estônia e que seriam sócios de duas instituições financeiras, mas de fato não existiam.
Em 14 meses de trabalho, a PF descobriu que os investigados não tinham qualquer autorização para a captação e gestão de recursos levantados no Brasil, na Estônia, ou em qualquer outro país. Em vários países, como Espanha e Panamá, havia alertas de órgãos financeiros sobre ausência de autorização desse grupo e de que se tratava de esquema de pirâmide financeira.
Lucro fácil
Para convencer os investidores, a organização usava sites e aplicativos que mantinha nas redes sociais para prometer investimentos multiplicados em ganhos diários que poderiam render lucro até 20% ao mês e de mais de 300% ao ano.
Basicamente, o esquema era semelhante às outras pirâmides financeiras já descobertas no Brasil. Além de prometer multiplicar o capital investido, a organização convencia quem ingressava no negócio a captar novos investidores, proporcionando ganhos sobre esses valores investidos.
Para atrair cada vez mais investidores, os líderes do esquema ostentavam nas redes sociais, onde possuem milhões de seguidores em todo o mundo, para demonstrar sucesso pessoal e de investimentos, com imagens de viagens internacionais para Dubai, Cancun e Europa.
Conforme a Polícia Federal, a prática ilegal foi se tornando mais sofisticada e passou a englobar supostos investimentos decorrentes de lucros advindos de minas de diamantes e esmeraldas que a empresa teria no Brasil e no exterior, em mercado de vinhos, de viagens, em usina de energia solar e usina de reciclagem.
Criptomoedas
O esquema cresceu tanto que a quadrilha criou duas criptomoedas, lançadas pelo grupo no final de 2021, sem qualquer lastro financeiro.
“Foi identificada manipulação de mercado para valorizar uma das moedas artificialmente em 5.500% em apenas 15 horas, com pico de até 38.000%, dias depois. Tudo isso para manter a pirâmide financeira o mais tempo possível em atividade, pois as criptomoedas foram também utilizadas para pagar os investidores”, afirma a PF.
Entretanto, após alta meteórica e especulativa promovida pelos investigados, as criptomoedas perderam todo o valor de mercado e passaram a valer casas decimais abaixo do centavo de dólar.
Para movimentar o dinheiro, foram utilizadas contas bancária dos investigados, empresas de fachada, parentes, além de terceiros ligados ao grupo. Só a entidade religiosa pertencente a um dos líderes movimentou pelo menos R$ 15 milhões. A igreja também era utilizada para captar investidores e lavagem de dinheiro.
Cuba
Com a prisão de um dos líderes da pirâmide financeira em Cuba, os fundadores da organização interromperam os pagamentos dos lucros aos cubanos e divulgaram nas redes sociais que o governo cubano teria impedido a empresa de ajudar o país.
Como acontece em todas as pirâmides financeiras, os investigados começaram a impor dificuldades para fazer pagamentos aos investidores lesados e passaram a estabelecer prazos cada vez maiores para resgate, impedindo saques por parte dos investidores.
A PF descobriu que os investigados planejaram ataque hacker, implementado no final de 2021, para que os líderes da organização criminosa pudessem alegar imenso prejuízo financeiro. Dessa forma, retiveram todo o dinheiro dos investidores e alegaram que os pagamentos seriam suspensos para auditoria financeira.
“Meses depois, comunicaram a conclusão da auditoria e anunciaram reestruturação da empresa, mantendo o esquema e migração para uma nova rede, a fim de que os investidores efetuassem novos aportes e a continuação do negócio, com ameaças do ‘CEO’ da empresa de que quem processasse ou realizasse registros de boletins de ocorrências seria identificado, processado e não receberia qualquer valor investido de volta”, afirma a PF.
Depois disso, milhares de reclamações surgiram nas redes sociais e em grupos criados no Brasil e no exterior de pessoas buscando recuperar o dinheiro investido, sem sucesso. Conforme a PF, o objetivo da operação de hoje é desmobilizar completamente a organização, impedindo de continuar a efetivar os golpes.
Os investigados vão responder por organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro por operar sem autorização, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, usurpação de bem mineral da União Federal, execução de pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, falsidade ideológica e estelionato por meio de fraude eletrônica.
As penas máximas somadas podem chegar a 41 anos de prisão. A operação recebeu o nome de La Casa de Papel porque alguns dos investigados possuírem também nacionalidade espanhola e por terem montado a bilionária pirâmide financeira com seu próprio banco e a sua própria “casa da moeda”, fabricando dinheiro através de criptoativos próprios.
Crédito: Campo Grande News