Ministro Luiz Fux acatou recurso da PGR e considerou válido compartilhamento de relatórios do Coaf
Duas megaoperações da PF (Polícia Federal) contra tráfico de drogas envolvendo empresários voltaram a valer por ordem do ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Deflagradas em 15 de maio de 2024, a Sordidum e a Prime, ações contra tráfico de cocaína e lavagem de dinheiro, tinham sido anuladas em julho deste ano, durante escala no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O ministro Messod Azulay Neto, do STJ, ao analisar pedido de habeas corpus, considerou que a PF deveria ter solicitado autorização judicial para ter acesso aos dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), medida que foi o fio condutor das investigações. Os relatórios de inteligência financeira obtidos diretamente pela autoridade policial foram considerados ilegais.
Na sequência, a 5ª Vara Federal de Campo Grande cumpriu a ordem do STJ e as operações foram desmontadas, com liberação de bens e revogação de mandados de prisão.
As operações mobilizaram um aparato que impressionou: 273 agentes da PF espalhados por cinco Estados, 64 mandados de busca e apreensão, 25 prisões preventivas, 11 temporárias, o sequestro de cerca de 90 imóveis e bloqueios contra 80 pessoas. À época, a Polícia Federal apresentou o caso como um avanço decisivo contra o crime organizado.
Reviravolta
No último dia 8, o ministro Luiz Fux julgou procedente a reclamação da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra a decisão de Azulay Neto.
Luiz Fux reconheceu a licitude do compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira entre o Coaf e a Polícia Federal.
Prevaleceu o entendimento de que a Suprema Corte admite o compartilhamento de relatório de inteligência financeira, tanto de ofício quanto a pedido dos órgãos de investigação criminal, desde que o procedimento seja realizado por meio de sistema eletrônico que garanta o sigilo e a segurança da informação e que não tenha sido realizado por encomenda contra cidadãos que não estejam sob investigação ou sem que haja um alerta previamente emitido pela unidade de inteligência.
Com a retomada das ações, a 5ª Vara Federal de Campo Grande determinou o prosseguimento dos processos. Até o momento, não houve divulgação de nova ordem para prisões.
Sordidum
A Operação Sordidum mirou dois grupos que tentavam esconder a origem ilícita dos valores com aquisição de fazendas, movimentação em contas de terceiros e empresas de fachada.
A atuação era no tráfico por meio do modal aéreo. Modificadas, as aeronaves ganhavam tip tank (tanque extra) para permitir voos acima de 30 horas. Os pilotos que partiam de forma clandestina para a América Central voltavam em voo comercial, ou seja, a entrada no Brasil era registrada, mas a saída não.
O segundo grupo ocultava patrimônio em empresas na região de Maringá (Paraná), principalmente com garagens de veículos. A organização explorava a rota do tráfico com a cocaína saindo de Pedro Juan Caballero (Paraguai) e Ponta Porã com destino a grandes cidades brasileiras.
Nos arquivos digitais de Alexander Souza, um dos alvos da Sordidum, a operação identificou fotografias de pilhas de dinheiro e com armas. Os investigadores obtiveram acesso a vídeos de tortura dele contra uma pessoa a quem teria emprestado dinheiro. Segundo o relatório da PF, ele termina por cortar o dedo mindinho do suposto devedor.
Sobre a decisão do ministro Fux, a defesa de Alexander informa que recorreu. “Já recorremos e creio que será revista, pois o STF ainda não decidiu o Tema 1404, logo, deve prevalecer a decisão proferida anteriormente pelo STJ”, afirma o advogado Luiz Renê Gonçalves do Amaral.
Ainda segundo o advogado, o tempo em que os réus estão soltos indica que não há risco contemporâneo à liberdade, sem necessidade de qualquer medida cautelar.
Prime
Alvo da Prime, um terceiro grupo, com base em Dourados, mesclava capital lícito e ilícito por meio de loja de material de construção e construtora. “São dois irmãos de Dourados. Um era mais dedicado ao tráfico e o outro à lavagem de dinheiro”, afirmou o delegado Lucas Vilela, que coordenou as operações e era integrante do Gise (Grupo de Investigações Especiais Sensíveis), durante entrevista no ano passado.
Conforme a investigação, o empresário douradense Marcel Martins da Silva amealhou patrimônio de pelo menos R$ 100 milhões em menos de três anos.
No arquivo, recuperado pela PF após quebra de sigilo determinada pela Justiça Federal, constam imóveis no Paraná, terrenos e casas de alto padrão em condomínios de luxo em Dourados, apartamentos em Campo Grande e nos litorais de Santa Catarina e Bahia.
Também fazem parte da lista os imóveis urbanos e rurais comprados por Marcel Martins em território paraguaio. Inclusive, prédio localizado no centro de Pedro Juan Caballero, avaliado em 5 milhões de dólares.
Além de Marcel, são investigados na operação o irmão dele Valter Ulisses Martins e os empresários de Dourados Carlos José Alencar Rodrigues e Claudinei Tolentino Marques.
“A decisão do ministro Fux é monocrática, e a questão ainda vai ser decidida em colegiado pelos outros ministros, o que vai ser aguardado pela defesa. O STF ainda não tem posição definida sobre a legalidade da requisição de dados bancários e fiscais pela polícia e Ministério Público sem autorização judicial prévia. Diferente do STJ, que já firmou o entendimento pela ilegalidade”, afirma o advogado Márcio Widal. Ele atua na defesa de Marcel.