Com análise de 15 mil páginas, CPI da Covid-19 encerra trabalhos e encaminha relatórios à órgãos fiscalizadores
A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid-19, instaurada para apurar o uso da verba federal de mais de R$ 40 milhões pela Prefeitura de Dourados em 2020 – último ano da gestão da prefeita Délia Razuk – para enfrentamento à pandemia, concluiu a análise de documentos e oitivas.
A comissão presidida pelo vereador Fábio Luís (Republicanos) e que tem como membros os vereadores Diogo Castilho (DEM) e Sérgio Nogueira (PSDB), iniciou os trabalhos em 6 de abril. Foram elaborados relatórios detalhados que somaram quase 400 páginas e originaram um documento final de 114 páginas.
O documento foi entregue na semana passada ao presidente da Casa, Laudir Munaretto (MDB) e encaminhado aos demais vereadores para conhecimento. A análise também será repassada ao TCE (Tribunal de Contas do Estado), TCU (Tribunal de Contas da União), ao MPE (Ministério Público Estadual), MPF (Ministério Público Federal) e ao Poder Executivo.
Ao longo de 4 meses de trabalho, foram analisadas mais de 15 mil páginas de documentos, sendo aproximadamente 12 mil recebidas da administração municipal e 3 mil da Funsaud (Fundação de Serviços de Saúde de Dourados) e também MPF, por tratar-se de verba federal.
Conforme o presidente da comissão, a principal conclusão foi de possíveis desvios de finalidade ou ineficiência de gestão em muitos atos administrativos.
“Analisamos que houveram possíveis irregularidades, não no que tange a ilegalidade somente, mas pode ter um desvio de finalidade, com a verba colocada para diversas ações que estão correlacionadas à pandemia, mas na ponta final, que é o paciente, o insumo, o medicamento, não houve o devido atendimento. A CPI investiga e repassa para quem pode punir. Os MPs vão avaliar e, conforme for, fazer as diligências necessárias. Cabe ao Judiciário fazer os encaminhamentos com relação às possíveis punições ou não dos agentes envolvidos”, explicou Fábio Luís.
O vereador destacou que a análise técnica realizada pelos integrantes da CPI tem como um dos principais objetivos também sugestionar à administração municipal uma melhor estratégia e cuidado na destinação de verbas, principalmente no que diz respeito ao trabalho da Funsaud.
A fundação é responsável pela gestão do Hospital da Vida e também da UPA (Unidade de Pronto Atendimento), sendo a principal beneficiada com verbas para atendimento de média e alta complexidade na saúde do município.
“O trabalho dessa CPI foi principalmente técnico. O relatório elaborado é rico e vai ser útil para a atual gestão corrigir falhas que estão ocorrendo e que podem vir a dar grandes problemas, que somente não acontecem hoje pelo fato da Funsaud não ser devidamente fiscalizada. Então é isso que o relatório traz de mais valioso. Temos fonte de recursos que são destinados à saúde e que não são aplicados de forma transparente. É isso que precisa mudar”.
Cestas básicas e cultura
Uma das questões apontadas no relatório final diz respeito da compra cestas básicas para distribuição à famílias em situação de vulnerabilidade que foram atingidas por medidas restritivas que, por exemplo, impediram muitas atividades de trabalho.
A dispensa de licitação aplicada para atender de forma rápida, acabou em um processo que se estendeu por quase seis meses.
“Não foi rápido e automaticamente ele não se enquadraria numa dispensa de licitação. Isso foi um dos pontos fortes dentro do relatório, além do fato de que somente três empresas, de Campo Grande, participaram da cotação. Nenhuma empresa de Dourados foi consultada ou convidada a participar do processo, sendo que em nossa cidade existem diversos fornecedores”, questionou Fábio Luiz.
A CPI identificou ainda um variação de preço de até 31% no valor que foi pago por cada unidade de cesta básica, considerando o preço mínimo e médio de pesquisa do Procon MS (Superintendência para Orientação e Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul). Na época, a prefeitura investiu cerca de R$ 711 mil nessa compra.
“É algo que exige explicações porque não houve cuidado sequer de verificar se o que iria ser pago estava dentro das condições de preço de mercado. Isso poderia nos trazer quase 500 cestas básicas a mais, considerando o preço médio praticado”.
A entrega, que seria em etapas, foi feita toda de uma vez e a prefeitura recebeu as cestas em um período de recesso, deixando grande parte da distribuição para a atual administração. Além disso, as certidões da empresa vencedora estavam vencidas e a própria PGM [Procuradoria Geral do Município] deu parecer desfavorável ao processo.
Com relação ao repasse de verbas para a Secretaria Municipal de Cultura, foram mais de R$ 1,4 milhão. Através de editais, foram aplicados R$ 777 mil e mais de R$ 700 mil ficaram para a atual gestão.
A verba foi para atender artistas e profissionais do setor que tiveram sua renda prejudicada pela pandemia. O principal ponto questionado é sobre pessoas que receberam apoio financeiro, mas não estariam dentro dos critérios exigidos.
“Algumas não se enquadrariam dentro do quesito de necessidade, de vulnerabilidade. São funcionários públicos, que têm estabilidade financeira garantida ou aposentados com renda significativa. Então há um contraditório que precisa ser explicado”.
Atos da Funsaud
Sobre as ações da Funsaud, a análise da CPI apontou que é preciso mais fiscalização. Dos R$ 34 milhões recebidos pela Secretaria Municipal de Saúde, R$ 11 milhões aproximadamente foram aplicados em folha de pagamento e não necessariamente a profissionais diretamente da linha de frente.
“A Lei permite, mas o que se espera? Que se pague as pessoas contratadas para dar suporte médico direto na UPA e no Hospital da Vida. Mas, houve um grande número de contratações que foram pagas com esse valor, inclusive de técnicos administrativos. O que se questiona é: o técnico está na linha de frente? Esses R$ 11 milhões eles teoricamente já estariam aportados dentro da fonte zero. Então acabou sendo um respiro para o município aliviar a sua folha com praticamente 30% do valor recebido para a saúde”.
As dispensas de licitação também foram identificadas como uma prática recorrentemente para justificar contratações, compras e outros, com algumas irregularidades de processo identificadas pela comissão.
“A Funsaud não tem uma prestação de contas porque é uma fundação pública, mas de direito privado. Então recebe dinheiro público, mas não se explica como se deve e isso abre um alerta muito grande em relação à transparência da aplicação desses recursos. É um alerta grande que apontamos no relatório para que o município tome providências em relação à essa administração. Esse sistema administrativo da fundação está fadado à falência e se isso não mudar os cofres públicos do município não vão suportar mais bancar esse tipo de serviço”.
Por fim, o presidente da CPI destacou o saldo positivo do trabalho e que o principal encaminhamento por parte da Casa é para que a gestão municipal trabalhe por mudanças que deem mais transparência a seus atos no que diz respeito à destinação de verbas públicas.
“Esperamos que a prefeitura tome algumas providências daqui para frente, entre elas um projeto de lei que traga um sistema de controle de verbas direcionadas a convênios, entidades, fundações. Que as empresas que recebem esse dinheiro prestem contas devidamente, para que não ocorra esse tipo de problema”.