O Ministério Público Federal (MPF) fechou acordos com o Centro de Tradições Gaúchas de Dourados, um clube de tiro e uma loja de material de construção da cidade que apoiaram manifestações golpistas em outubro de 2022.
Em acordos como estes, as empresas admitem as irregularidades, pagam multa para reparar o dano causado, se comprometem a parar com a conduta ilegal. Em troca, não são processadas na Justiça.
Dourados foi palco, assim como outras cidades do país, de manifestações antidemocráticas logo após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. Os atos no município, de acordo com o MPF, tinham finalidade golpista, com a interdição total ou parcial de rodovias federais e estaduais.
Os grupos que apoiavam o então presidente Jair Bolsonaro (PL) não reconheciam a vitória de Lula e defendiam “intervenção militar para garantir novas eleições auditadas”.
O MPF já havia denunciado, em novembro daquele ano, três pessoas por incitar e financiar as manifestações antidemocráticas: um empresário do ramo de restaurantes, o proprietário de uma loja de insumos agropecuários e a responsável pelo Centro de Tradições Gaúchas de Dourados.
Os acordos foram firmados pela procuradora Samara Yasser Yassine Dalloul no final de janeiro deste ano. As negociações do MPF com as empresas se arrastaram ao longo de 2023 e se basearam em investigações conduzidas pela Polícia Federal.
O termo de ajustamento de conduta é um acordo que o Ministério Público celebra com uma empresa ou uma pessoa que violou determinado direito coletivo. O objetivo do acordo é impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano e evitar a ação judicial.
As investigações apontaram, de acordo com o documento, que o Centro de Tradições Gaúchas (CTG) cedeu sua área para a realização de manifestações e bloqueio da rodovia na frente dos quartéis, dando apoio com água, alojamento e estacionamento aos golpistas.
Segundo os investigadores, a conduta do CTG “causou sensível dano difuso à coletividade, bem como às instituições democráticas”. Os manifestantes rechaçavam a derrota de Bolsonaro e pediam intervenção militar em frente à 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada de Dourados para que houvesse “novas eleições auditadas” e a “derrubada” do governo Lula.
O Centro de Tradições Gaúchas se comprometeu a pagar R$ 10 mil para a instituição Lar de Crianças Santa Rita.
As investigações atribuem ao Clube de Tiro Raiz, também com sede em Dourados, o financiamento de atos de bloqueio da BR-163, Trevo da Bandeira. A interrupção do fluxo das rodovias e estradas brasileiras estava expressamente proibida por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
“Foi apurado, por agentes de inteligência da Polícia Federal ao realizarem diligências em tais movimentos, que o Clube de Tiro Raiz efetuou pagamento via PIX para custear despesas relativas ao ato de bloqueio do Trevo da Bandeira, concorrendo assim para houvesse a obstrução da via por diversas horas”, diz a procuradora.
O clube se comprometeu a pagar R$ 4 mil para a instituição Lar de Crianças Santa Rita.
As investigações mostram ainda que a MJA Materiais de Construção disponibilizou veículos e deu assistência aos manifestantes antidemocráticos que participavam dos atos de bloqueio da BR-163, Trevo da Bandeira, entre 31 de outubro e 6 de novembro de 2022.
“Foi apurado, por agentes de inteligência da Polícia Federal ao realizarem diligências em tais movimentos, que havia um caminhão Ford Cargo 4030, de cor branca, ano 2000, placas MAX-0473, de propriedade da MJA MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA (nome de fantasia Granville Materiais de Construção), obstruindo uma das faixas de rolamento do entorno do Trevo da Bandeira, por diversas horas”, narra a procuradora.
A loja de material de construção se comprometeu a pagar R$ 10 mil para a instituição Lar de Crianças Santa Rita.
Nos três acordos, Samara Dalloul ressalta que manifestações não podem impedir que o restante da sociedade exerça seus direitos fundamentais. A procuradora afirma ser “claramente abusivo” o impedimento ao livre acesso das demais pessoas aos aeroportos, rodovias e hospitais, colocando em risco a harmonia, a segurança e a saúde públicas.
Por fim, afirma que, por mais que possam traduzir insatisfação com determinado fato político-social, as manifestações não podem ter por pauta a defesa de ações que possam gerar a ruptura da ordem constitucional, como a defesa de golpes de Estado, o impedimento da diplomação de candidatos eleitos e a desobediência ao resultado de eleições livres e democráticas.