Quem é sul-mato-grossense raiz já se deliciou com algumas destas frutas dos biomas do Pantanal e do Cerrado: guavira, bocaiúva, pequi, baru, jatobá, entre outras.
São saborosas e muito nutritivas, porém, também são “raras”, não estão sempre disponíveis em mercados e em feiras. “As frutas do Cerrado apresentam duas características que as diferem das frutas ‘domésticas’: a sazonalidade e a perecibilidade. Ou seja, essas frutas são altamente produtivas em apenas um período de tempo – um exemplo é a guavira, que frutifica somente de setembro a dezembro.
Por serem frutas selvagens, elas estragam com grande velocidade se comparadas aquelas que compramos no mercado”, explica Pedro Cruz de Oliveira Junior, doutorando do curso de Biotecnologia e Biodiversidade na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Já que não é possível comer essas frutas o ano todo, um grupo de pesquisadores da UFGD desenvolveu uma solução para esse problema: produzir polpa de frutos do Cerrado na forma de pó, para que o suco dessas frutas possa ser consumido a qualquer momento. Além disso, os pesquisadores desenvolveram um método de produção que mantém os nutrientes e compostos bioativos presentes no fruto. A escolha do suco em pó também busca facilitar o manuseio, o transporte e a estocagem do produto. A ideia se mostrou tão boa que rendeu um prêmio no valor de R$ 100 mil para o grupo de estudantes da UFGD.
A equipe premiada foi formada por Pedro Cruz de Oliveira Junior e Márcia Crestani Bin (alunos de doutorado em Biotecnologia e Biodiversidade) e por Loyz Sousa Assis e Ana Carolina Oliveira Medeiros (alunas do curso de graduação em Engenharia de Alimentos). Todos esses estudantes são orientados pela professora Eliana Janet Sanjinez-Aragandoña, que coordena o Grupo de Estudos em Produtos e Processos Agroindustriais do Cerrado (GEPPAC).
Em parceria com outros grupos de pesquisa, da UFGD e de outras instituições, o GEPPAC estuda, entre outras coisas, os compostos extraídos de plantas do cerrado. De acordo com a professora Eliana, algumas das frutas do Cerrado são comprovadamente ricas em flavonoides, taninos, compostos fenólicos e outras substâncias benéficas ao organismo humano. Portanto, além de saborosas, as frutas do Cerrado são também saudáveis e o seu consumo deveria ser incentivado. A ideia da polpa em pó de frutos originados do Cerrado vem sendo desenvolvida pelo grupo há tempos e a maior preocupação é a de que o produto consiga manter as características que a fruta in natura oferece.
PAPO DE CIENTISTA
Ana Carolina e Loyz explicam que o produto desenvolvido na UFGD é constituído de polpa de frutos do Cerrado transformados em pó a partir de um processo de secagem chamado “atomização”. O equipamento tem o nome de spray dryer ou atomizador e transforma líquidos em pó, por meio de um sistema de alta pressão, no qual gotículas atomizadas entram em contato com o ar quente e em poucos minutos se transformam em pó. “Existem outros meios para secagem de frutos, onde frutos inteiros, cascas e sementes são aquecidos em baixa temperatura por longo período de tempo. Nesse processo, mesmo que se use uma relativamente temperatura baixa, algumas características do fruto ficam comprometidas. Quando usamos a técnica de atomização, mesmo sendo em alta temperatura, a secagem ocorre em questão de minutos e isso minimiza a perda de compostos bioativos e nutrientes”, detalham Ana Carolina e Loyz. Essa técnica vem sendo testada, aprimorada e padronizada para secagem de frutos do Cerrado no âmbito do GEPPAC/UFGD.
DE PESQUISADORES A EMPRESÁRIOS
O desafio que Pedro, Márcia, Loyz e Ana Carolina aceitaram foi de ir além do estudo científico e técnico, para transformar o tal fruto em pó em um modelo de negócio. Os pesquisadores foram motivados a “virar a chave” e se aventurar no campo da gestão empresarial graças ao evento Startup Challenge, um desafio de inovação organizado pela Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (FIEMS), com apoio da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado do Mato Grosso do Sul (Fundect).
“O desafio foi incrível, pois nós tínhamos domínio da área técnica de produção, mas não entendíamos quase nada dos processos de criação, manutenção e gestão de uma empresa. Todas as palestras e treinamentos que aconteceram no Startup Challenge serviram para amadurecer nossa ideia de negócio. Vale a pena citar que o trabalho apenas começou graças à Startup Fiems, que funciona como uma incubadora de empresas e oferece todo suporte de treinamento, instrução e gerenciamento ao longo de todo o nosso negócio”, relata Pedro.
O Startup Challenge iniciou em julho de 2022, com 30 equipes selecionadas a partir da ideia inovadora apresentada no ato da inscrição. Após algumas palestras sobre gerenciamento estratégico e discurso de vendas, os participantes apresentaram seus projetos a uma banca, que selecionou 20 equipes. Nos dias 2 e 3 de julho ocorreram novos treinamentos e em seguida os competidores passaram a criar o modelo do negócio. “Trabalhamos até as 22 horas, correndo sem parar, para conseguir elaborar todo o projeto”, relembra Pedro. Das 20 propostas de negócio, a banca avaliadora escolheu 10 projetos para receberem o prêmio de R$ 100 mil. A equipe de estudantes da UFGD conquistou o 9º lugar.
“Foi uma surpresa imensa, pois apesar de termos uma ideia bem sólida e estarmos confiantes, outras equipes apresentaram ideias incríveis, que oferecem melhoria na qualidade de vida das pessoas e auxiliam o meio ambiente. Quando chamaram o nome da nossa equipe, vibramos muito. Ficamos extremamente felizes e incrédulos, choramos e nos emocionamos. Quem trabalha com pesquisa sabe que é um trabalho árduo, com incontáveis horas e sem nenhuma garantia de resultado ou qualquer reconhecimento. Depois de tanto esforço, ser reconhecido dessa forma é uma sensação de realização incrível. Um sentimento de que toda a luta valeu a pena”, comemora o doutorando da UFGD.