Defesa da família nega qualquer ligação com o crime organizado e diz confiar na Justiça
A quarta fase da Operação Successione deixou explícito que, além da atuação criminosa identificada em etapas anteriores pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), a prisão do clã Razuk se deu como medida para impedir que o grupo se expandisse para Goiás, onde certamente haveria confronto pelo controle do jogo do bicho.
Na decisão judicial que autorizou as prisões de ontem, a juíza May Melke Amaral Penteado Siravegna sustenta que, para alcançar esse objetivo, seria necessário "derrubar" a liderança da jogatina naquele Estado, o que certamente levaria a uma guerra pelo controle do jogo do bicho, que atingiria ambos os estados.
A organização criminosa comandada, segundo o Gaeco, por Roberto Razuk e pelo deputado estadual Roberto Razuk Filho (PL), o Neno, estruturou uma ofensiva para expandir o domínio territorial e financeiro, valendo-se de contatos políticos, investidores e empresas de fachada.
O plano de expansão para Goiás contava com articulação direta de Willian Ribeiro de Oliveira, preso terça-feira e apresentado pela investigação como peça-chave por ter acesso a informações sigilosas da segurança pública e trânsito livre dentro do Executivo goiano.
Ele foi responsável por mapear pessoas, veículos e dados estratégicos a pedido da organização. Também teria papel ativo para “resolver” apreensões policiais e intervir junto à Sefaz (Secretaria de Fazenda de Mato Grosso do Sul) quando necessário.
"Além disso, em razão da sua influência e mediante pagamento de propina, o referido representado também tinha a função de resolver as questões referentes às apreensões policiais desfavoráveis ao grupo criminoso, inclusive com a intervenção junto à Secretaria de Fazenda de Mato Grosso do Sul, bem como de realizar pagamentos através de sua empresa, a WR Indístria e Comércio de Eletrônicos EIRELI."
Willian não atuou sozinho. A decisão mostra que os líderes da família Razuk demandaram levantamentos completos sobre a rentabilidade do jogo do bicho em Goiânia e pedido de indicação de empresa para participar de licitações supostamente fraudulentas. A escolha recaiu sobre companhia conhecida por contratos de obras públicas em Mato Grosso do Sul e tida como “de confiança de Roberto Razuk”.
A empresa seria usada para abrir portas e facilitar negócios em Goiás enquanto a organização buscava derrubar o grupo que domina a jogatina no Estado vizinho, liderado pelo bicheiro Cachoeira, de Goiânia.
As investigações revelam ainda que um investidor não identificado sinalizou aporte de R$ 30 milhões para financiar a expansão criminosa, como já mostrou o Campo Grande News. O valor, segundo a decisão judicial, demonstra o grau de ambição e risco envolvido, já que o objetivo era enfrentar o grupo rival e assumir o mercado goiano, mesmo sob risco real de confronto armado capaz de afetar os dois Estados.
Lotesul
Outro ponto que pesou na manutenção das prisões foi a atuação da família Razuk para interferir na licitação milionária da nova Lotesul, a loteria estadual. Quebras de sigilo mostram que Roberto Razuk pagou as custas de processo judicial para contestar o edital em março deste ano, tentativa vista pelo Ministério Público como esforço simultâneo para ocupar espaços legais e ilegais no mercado de apostas.
Mesmo com parte do grupo já detida em fases anteriores da Successione, a organização se reorganizou e continuou operando. A juíza May Melke destacou que a influência política, a rede de proteção e a estrutura financeira demonstram contemporaneidade da atuação criminosa e justificam a medida extrema de prisão para impedir novos avanços do esquema.
"Não obstante, ainda a denotar a gravidade concreta dos fatos objeto da representação e sua contemporaneidade, tem-se o envolvimento das organizações criminosas com a classe política, reforçando seu poderio e a dificuldade de serem combatidas pelos órgãos de fiscalização e segurança pública, o que ficou demonstrado, posto que mesmo após a deflagração da Operação Successione, a família Razuk continua a explorar com domínio absoluto o jogo do bicho na cidade de Dourados/MS e região, como se atividade lícita fosse, valendo-se de bancas espalhadas por diversos pontos estratégicos da cidade, onde podem ser anotadas as apostas, o que somente se consegue mediante conivência de funcionários públicos responsáveis pela fiscalização e repressão da atividade ilícita."
Operação
A quarta fase da Operação Successione teve como objetivo o cumprimento de 20 mandados de prisão preventiva e de 27 mandados de busca e apreensão nos municípios de Campo Grande, Corumbá, Dourados, Maracaju e Ponta Porã, além de alvos nos estados do Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul.
As fases anteriores revelaram a atuação de uma organização criminosa armada, violenta, que se dedicava à exploração de jogos ilegais, corrupção e demais delitos correlatos, responsável por roubos com emprego de arma de fogo, no contexto de disputa pelo monopólio do jogo do bicho em Campo Grande, em razão do vácuo deixado após a Operação Omertá.
Com a continuidade das investigações, foi possível identificar mais 20 integrantes dessa organização criminosa, inclusive outros líderes, que atuavam para estabelecer seu domínio no jogo ilegal em Mato Grosso do Sul, onde já atuam em diversos municípios.
Em nota, a defesa formada pelos advogados André Borges e João Arnar afirmou que as informações divulgadas sobre a nova fase da Operação Successione ainda não lhes foram comunicadas oficialmente e que, quando isso ocorrer, irão se manifestar nos autos. Ressaltou que, pela Constituição, ninguém pode ser considerado culpado antes do fim do processo e negou qualquer envolvimento em crimes. Disse que jamais foi ouvida pelas autoridades sobre os fatos citados e que, se tivesse sido intimada, tudo seria esclarecido sem dificuldade.
Afirmou ainda ser falsa a existência de organização criminosa, de plano para disputar espaço com grupos do jogo do bicho de São Paulo e Goiás e de qualquer ato de violência em Mato Grosso do Sul ou em outros Estados, destacando que parte dessas acusações já está em análise judicial com defesa apresentada. A nota conclui que todos os pontos serão esclarecidos no momento adequado e que a família aguardará uma decisão justa da Justiça, instituição que diz respeitar.
Veja abaixo quem é quem na lista de prisões
Roberto Razuk, 84 anos, ex-deputado estadual e pai de Neno Razuk;
Rafael Godoy Razuk, irmão do deputado estadual Neno Razuk
Jorge Razuk Neto, irmão do deputado estadual Neno Razuk
Sérgio Donizete Baltazar, dono da Criativa Technology;
Flávio Henrique Espíndola Figueiredo, dono da casa onde foram apreendidas as maquinhas
Jonathan Gimenez Grance, o Cabeça, empresário
Samuel Ozório Júnior, comerciante
Odair da Silva Machado, o Gaúcho, gestor operacional e responsável pelas maquininhas
Gerson Chahuan Tobji, gerenciava a exploração do jogo do bicho
Marco Aurélio Horta, chefe de gabinete de Neno Razuk
Anderson Lima Gonçalves, sargento da Polícia Militar de MS
Paulo Roberto Franco Ferreira, apontador do jogo do bicho em Maracaju
Anderson Alberto Gaúna, responsável pelo recolhimento do jogo
Willian Ribeiro de Oliveira, empresário e articulador político do grupo
Marcelo Tadeu Cabral, empresário e suplente de vereador em Corumbá
Franklin Gandra Belga, o Franklin do Jogo, idealizou a chegada dos Razuk na Capital
Jean Cardoso Cavalini, líder do grupo na região sul de MS
Paulo do Carmo Sgrinholi, líder do grupo na região sul de MS
Willian Augusto Lopes Sgrinholi, conferente da receita do jogo do bicho
Rhiad Abdulahad, advogado
Roberto Razuk conseguiu habeas corpus para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.