Uma reunião com os delegados titulares de todas as delegacias de Campo Grande terminou em briga e acusações entre o Delegado-Geral da Polícia Civil Adriano Garcia Geraldo e a delegada Daniella Kades de Oliveira Garcia, integrante da força-tarefa responsável pelas investigações contra grupo de extermínio suspeito de atuar em Mato Grosso do Sul por pelo menos uma década.
Depois de recusar a citar nomes de investigados na reunião, a delegada afirmou que “não confia na polícia”, se referindo a série de denúncias de corrupção dentro dos órgãos de segurança pública feita pela própria força-tarefa da Operação Omertá. Agentes da Polícia Civil (investigadores e delegados), guardas municipais, policiais militares e policial federal foram presos nas ações.
Parte da discussão foi gravada. Em áudio obtido pelo Campo Grande News, é possível ouvir que o começo da discussão se refere justamente as consequências das investigações que, em 2019, desarticulou o grupo criminoso apontado como responsável por pelo menos sete execuções na Capital. Na época, as ações revelaram que Jamil Name e o filho Jamil Name Filho comandavam a quadrilha.
Para manter a estrutura do grupo criminoso, desde a compra de armas até o pagamento de propina, era usado dinheiro adquirido ilegalmente com o jogo do bicho, prática coordenada pelos investigados por anos em Mato Grosso do Sul. Para "lavar" esses valores, os criminosos estariam usando a empresa da família Name, a Pantanal Cap, que supostamente trabalhava com títulos de capitalização.
O esquema, conforme apurado pela reportagem, funcionava da seguinte maneira: cada vendedor que saia as ruas para oferecer os títulos de capitalização recebia diversas cartelas, ao fim do processo, mesmo as que não eram vendidas acabavam preenchidas pelos criminosos. Assim, o valor “final” era muito maior que o realmente arrecadado. Essa diferença era preenchida pelo dinheiro conseguido ilegalmente.
Foi esse motivo que levou a força-tarefa a intensificar a repressão contra as bancas da empresa e ao jogo do bicho. Na gravação, a conversa entre Kades e o delegado-geral começa com ele exigindo saber como estão as investigações em relação aos grupos que, supostamente, assumiram o negócio dos Name na cidade.
Ele reclama que existem vários criminosos de fora do Estado em ação, que ele não tem conhecimento. A delegada, que participa diretamente da investigação, responde que a situação não é bem aquela. Inicialmente, Kades fala que “grupos” citados pelo chefe não são de fora de Mato Grosso do Sul. É neste momento, que ela revela não confiar o suficiente nas pessoas presentes para detalhar o assunto.
A discussão continua com o delegado-geral afirmando que Kades não confia nela. A resposta é dada sem pensar: “em mim eu confio”. Adriano chega a “lamentar” a acusação e ainda fala que a colega “pensa pequeno”, enquanto a delegada é enfática e afirmar que não vai passar informações, pois é a vida dela que está em risco.
“Se não vai por bem, vai na dor. Aí a gente põe hierarquia, porque é muito triste você dizer que não confia”, ameaça Adriano. O delegado-geral continua alegando que não precisa provar sua honestidade para a colega e neste momento, ela revela saber de uma conversa entre ele e os advogados que representavam a empresa Pantanal Cap, logo que a ações contra ela começaram.
“Veio advogado aqui, logo depois que nós apreendemos o Pantanal Cap, tá? O senhor falou que era uma arbitrariedade minha, dele e dele [outros delegados da força-tarefa], que nós tínhamos apreendido Pantanal Cap. O senhor nunca quis que nós mexêssemos com Pantanal Cap, fica bem claro isso para mim. Que isso é um abuso, vocês têm que representar esses delegados por abuso. Eles nos representaram por ordem do senhor”.
Na época, uma representação contra os delegados da força-tarefa de fato foi feita pelos três advogados direto na Delegacia-Geral da Polícia Civil.