Dados foram coletados em 53 comarcas de MS de 24 de julho de 2023 a 13 de junho de 2024
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul divulgou levantamento inédito sobre as audiências de custódia realizadas nas comarcas do interior do Estado. O estudo aponta dado alarmante: das 53 comarcas ouvidas, em 42 apareceram denúncias de tortura dos custodiados, ou seja, quase 80%.
Realizada pelo Núcleo Institucional Criminal (Nucrim) e Coordenadoria de Pesquisas e Estudos, a pesquisa avaliou a implementação e as condições desse procedimento essencial à garantia de direitos.
Conforme a coordenadora do Nucrim, defensora pública Francianny Cristine da Silva Santos, o período de coleta de dados foi de 24 de julho de 2023 a 13 de junho de 2024.
Com 53 respostas de defensoras e defensores públicos que atuam na área criminal, o estudo revelou que as audiências de custódia estão amplamente consolidadas: 98,1% das comarcas realizam o procedimento regularmente. A exceção é a comarca de Sete Quedas.
As audiências ocorrem, majoritariamente, em decorrência de prisões em flagrante, mas também abrangem casos de mandado de prisão, prisão civil e apreensão de adolescentes. A maioria das comarcas realiza até três audiências por dia.
Apesar dos avanços, o relatório destaca aspectos que demandam atenção e investimentos. Em 42 comarcas, por exemplo, magistrados relataram encaminhamentos para investigação de denúncias de tortura feitas por pessoas custodiadas.
“Mais do que números, esse levantamento reafirma o papel essencial da Defensoria Pública na proteção dos direitos de pessoas em situação de vulnerabilidade. É com base nesse diagnóstico que seguimos pensando, propondo e atuando por uma atuação cada vez mais qualificada e humana”, afirma a coordenadora.
Desafios estruturais
Falta de salas adequadas: somente 9 comarcas possuem espaço exclusivo para a realização das audiências.
Ausência de atendimento multidisciplinar: apenas 3 comarcas contam com esse serviço, fundamental para avaliar questões psicossociais das pessoas presas.
Baixa oferta de insumos básicos: somente 14 comarcas oferecem itens emergenciais, como alimentos, roupas ou produtos de higiene.
Coleta de informações limitada: embora 81,1% das comarcas realizem entrevistas prévias com as pessoas custodiadas, nem sempre há estrutura suficiente para garantir sigilo e qualidade no atendimento.
Boas práticas identificadas
Por outro lado, o levantamento aponta boas práticas já consolidadas, como:
Realização majoritária das audiências no prazo legal de 24 horas (84,9%);
Exame médico cautelar feito antes da audiência em 86,7% das comarcas, com juntada do laudo em 42 delas;
Uso de algemas como exceção em 94% das comarcas;
Sala reservada para a defesa técnica em 37 comarcas, garantindo condições mínimas de privacidade para a atuação da Defensoria;
Encaminhamentos pós-audiência realizados por magistrados, envolvendo investigações de tortura (42 comarcas), saúde (29) e medidas protetivas (11).
As audiências são realizadas presencialmente na maioria dos casos, embora ainda haja formatos híbridos ou virtuais em algumas regiões. A escolta dos custodiados é feita por diferentes órgãos, como Polícia Militar, Polícia Civil e Agepen. Já as perícias médicas ocorrem, em sua maioria, em Institutos de Medicina Legal (IML) e hospitais.
Compromisso com a dignidade
Para a coordenadora, o levantamento serve como instrumento de diagnóstico e planejamento.
“Os dados evidenciam que a maioria das comarcas já realiza as audiências regularmente, com atuação comprometida da Defensoria Pública desde o primeiro momento da prisão. Por outro lado, o relatório também revela pontos que ainda precisam de atenção, como a ausência de salas adequadas, a falta de atendimentos multidisciplinares e a pouca oferta de insumos básicos às pessoas custodiadas. São desafios reais, que impactam diretamente na dignidade de quem está sendo apresentado ao sistema de justiça”, conclui a defensora.